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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO

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Recomendação ADMINISTRATIVA

 

 

 

 

Inquérito Civil nº 14.0409.0000261/2024-0

SEI nº 29.0001.0212633.2023-41

 

 

           

CONSIDERANDO que tramitam nesta Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e  Social o inquérito civil em epigrafe, para apuração de eventual ato de improbidade administrativa por violação aos princípios administrativos (art. 11, inciso XI, da Lei nº 8.429/92) e prejuízo ao erário (10, inciso I, da Lei nº 8.429/1992), em razão da nomeação pela Fundação Municipal de Saúde, para o cargo de assessora administrativa, de HEMANUELA APARECIDA SOARES DE OLIVEIRA, que não preenche os requisitos de escolaridade para o cargo e ainda é mantem relacionamento conjugal com o vereador ADRIANO LA TORRE, eleito para o exercício do mandato de 2021-2024;

 

CONSIDERANDO que incumbe ao Ministério Público a defesa do patrimônio público e social e da moralidade administrativa, bem como a fiscalização da estrita observância dos princípios regentes da administração pública pelos agentes públicos, além da defesa de outros interesses difusos e coletivos, na forma dos artigos 127, “caput” e 129, III da Constituição Federal, e artigo 25, IV, “a”, da Lei n° 8.625/93;

 

CONSIDERANDO que a recomendação é instrumento destinado à orientação de órgãos públicos ou privados, para que sejam cumpridas normas relativas a direitos e deveres assegurados ou decorrentes das Constituições Federal e Estadual e serviços de relevância pública e social;

 

CONSIDERANDO que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (art. 37, “caput”, da Constituição Federal, nos mesmos moldes do artigo 111 da Constituição Estadual);

 

CONSIDERANDO que a comprovação dos requisitos legais  para a posse regular deve sempre ser exigida e que irregularidades na nomeação ou na posse do agente público podem ensejar a nulidade dos atos por ele praticados e, assim, causar prejuízo a terceiros e à Administração Pública, podendo configurar ato de improbidade administrativa.

 

CONSIDERANDO que a nomeação e a contratação de parentes foram disciplinadas na Súmula Vinculante nº 13, pelo Supremo Tribunal Federal, da seguinte forma: “a nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal”, em hipóteses que não esgotam as possibilidades de lesão aos princípios administrativos.

 

CONSIDERANDO que a Súmula 13 do E. STF já era interpretada exemplificativamente, porque a redação do “enunciado da Súmula Vinculante nº 13 não pretendeu esgotar todas as possibilidades de configuração de nepotismo na Administração Pública, uma vez que a tese constitucional nele consagrada consiste na proposição de que essa irregularidade decorre diretamente do caput do art. 37 da Constituição Federal, independentemente da edição de lei formal sobre o tema”.[1]

 

CONSIDERANDO que a vedação ao nepotismo expressa na Súmula Vinculante visa a evitar apadrinhamentos e lesão aos princípios administrativos da impessoalidade, da legalidade e da moralidade, salientando, nos termos do posicionamento adotado pelo CNJ, que “Configura nepotismo a nomeação de parentes para cargos em comissão, ainda que nenhum deles possua vínculo efetivo com a administração pública nem as funções apresentem similaridade ou impliquem subordinação hierárquica entre eles”.[2]

 

CONSIDERANDO o teor da Súmula Vinculante 13 e sua interpretação realizada pelo Supremo Tribunal Federal[3], segundo a qual, mesmo para os cargos políticos, não é possível a nomeação de parentes de ocupantes de cargos públicos, quando ela for irrazoável por ausência de qualificação técnica ou inidoneidade moral do nomeado.

 

CONSIDERANDO a previsão agora expressa do artigo 11 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, inciso XI, na redação dada pela Lei nº 14.230, de 25 de outubro de 2021:

Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: (...)

XI - nomear cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas;” 

 

CONSIDERANDO que “O nepotismo é uma forma de corrupção perfeitamente compreendida pelo conjunto da sociedade e representa a forma mais vil de exploração do poder político, a partir do momento em que o governante trata a coisa pública de forma desigual, favorecendo deliberadamente os membros da família. Havendo o reconhecimento consensual do nepotismo como prática nefasta ao próprio estado democrático de direito, justifica-se rigor na aplicação das sanções da lei de improbidade”. [4]

 

CONSIDERANDO que a investidura de pessoas que detenham vínculo de parentesco com os servidores municipais em cargo de provimento em comissão ou função gratificadas revela forma de favorecimento intolerável em face do princípio da impessoalidade, também presumidos pela Carta Magna como inerentes à Administração Pública brasileira, em qualquer de seus níveis;

 

CONSIDERANDO que a prática reiterada de tais atos de privilégio, relegando critérios técnicos a segundo plano, em prol do preenchimento de funções públicas de alta relevância pela avaliação de vínculos genéticos ou afetivos traz necessariamente ofensa à eficiência no serviço público, valor igualmente protegido pela Lei Fundamental;

 

CONSIDERANDO que a nomeação e manutenção de servidor em contrariedade ao requisitos pessoais para posse, incluindo a comprovação da escolaridade mínima exigida, traduzem lesão à legalidade e também à eficiência, podendo a omissão dolosa configurar o ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário, ao facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de verbas do acervo patrimonial da administração pública.

 

CONSIDERANDO que o atual Presidente da Fundação Municipal de Saúde  prestou informações de que a comissionada se encontra sob sua supervisão, no gabinete, não justificando a manutenção da contratação ilegal, apenas mencionando que a escolha do servidor é “ato discricionário” do administrador público;

 

A 7ª Promotoria de Justiça de Rio Claro RECOMENDA ao  Presidente da Fundação Municipal de Saúde de Rio Claro, MARCO AURÉLIO MESTRINEL:

 

1. As providências necessárias para, no prazo de 5 (cinco) dias, promover a exoneração da servidora HEMANUELA APARECIDA SOARES DE OLIVEIRA, a fim de evitar a continuidade da situação ilegal de ausência de escolaridade e de nepotismo, e se abstenha de nomeá-la para qualquer cargo comissionado ou função gratificada dentro do Município, com exceção dos cargos de Secretário (agente político), caso haja qualificação e interesse público para tanto.

 

2. O aditamento da declaração de nepotismo firmada pelos servidores para adequá-las aos termos da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 13 do Supremo Tribunal Federal, para incluir, além das relações de parentesco, consanguíneo ou civil, as relações afetivas de casamento ou união estável[5].

 

3. A regularização, no prazo de 30 (trinta) dias, do prontuário individual de todos os agentes públicos já empossados (servidores públicos ocupantes de cargos efetivos, em comissão, temporários ou sob qualquer vínculo), exigindo a demonstração de todas condições legais para a posse e nomeação (incluindo escolaridade mínima), ciente de que, a partir de então, a manutenção de servidores que não cumpram os requisitos legais poderá configurar omissão dolosa.

 

Ressalte-se que a concessão de prazo almeja tão somente ao tempo hábil para a verificação de possíveis omissões, não alterando a eventual ilegalidade de atos praticados;

 

4. Imediatamente, dê ampla publicidade à presente recomendação, divulgando-a na sede do ente municipal e no sítio eletrônico da Município de Rio Claro, bem como no órgão de publicação dos atos oficiais municipais, pelo prazo mínimo de 10 (dez) dias úteis.

 

 

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO adverte que a presente recomendação dá ciência e constitui em mora o destinatário quanto às providências solicitadas, podendo a omissão na adoção das medidas recomendadas implicar o manejo de todas as medidas administrativas e ações judiciais cabíveis contra os que se mantiverem inertes. 

 

Em caso de acatamento desta recomendação, solicita-se que, no prazo de 10 (dez) dias úteis, sejam informadas quais medidas foram adotadas para cumprimento do recomendado, com encaminhamento dos atos de exoneração e desligamento definitivo da servidora citada e de outros que não preencham os requisitos legais de nomeação e posse, nos termos recomendados, salientando que o silêncio será interpretado como recusa.  

 

Requisita-se, finalmente, seja dada imediata ampla publicidade à presente recomendação, com sua divulgação nos órgãos de publicação dos atos oficiais, bem como em jornais de grande circulação regional, nos termos do artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93.

 

Rio Claro, data da assinatura digital

 

GEORGIA CARLA CHINALIA

7ª Promotora de Justiça de Rio Claro

 

Elaine Patricia T. Santana

Analista Jurídico

 


[1] Rcl 9284/SP, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 30/09/2014 Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe-227  DIVULG 18-11-2014  PUBLIC 19-11-2014, mv; Rcl 15451 AgR/RJ, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Julgamento: 27/02/2014 Órgão Julgador: Tribunal Pleno,DJe-066  DIVULG 02-04-2014  PUBLIC 03-04-2014, vu.

[2] Conselho Nacional de Justiça – CNJ, em consulta, na 182ª sessão ordinária, realizada em 11/02/2014.

[3] STF. 1ª Turma. Rcl 28024 AgR, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 29/05/2018.

[4] 0009886-14.2011.8.26.0624   Apelação, Relator(a): Antonio Celso Faria; Comarca: Tatuí; Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 06/04/2016; Data de registro: 07/04/2016.

[5] Esclareça-se que a configuração de união estável, nos termos da lei e da jurisprudência dominante, não exige declaração formal das partes, tempo mínimo de duração ou mesmo coabitação (Súmula 382 – Supremo Tribunal Federal).

 


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Documento assinado eletronicamente por Georgia Carla Chinalia Obeid, Promotora de Justiça, em 25/04/2024, às 15:26, conforme art. 1º, III, "b", da Lei Federal 11.419/2006.


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